A hora e a vez do cultivo de grãos
Ciclo da soja transforma a economia agrícola e tem longo prazo de validade. Especialistas dizem que o desafio é atender a demanda e evitar a monocultura
Depois da erva-mate e do café, é a vez da soja e do milho marcarem época nos campos do Paraná. Com o fim da era do café a partir da década de 1970, os produtores do estado iniciaram suas apostas sobre a soja e o milho como fonte de renda. Hoje, as duas culturas ocupam mais de 50% de toda a área agrícola paranaense, considerando os números da safra de verão. Dos cerca de 10 milhões de hectares em uso, 5,3 milhões são destinados a soja e milho. Juntos, os dois grãos rendem à economia paranaense mais de R$ 15 bilhões por verão.
O avanço dos grãos sobre o território paranaense é justificado pelo apetite quase insaciável do mundo, especialmente do mercado chinês, pelos dois produtos. A China começou a impulsionar a demanda global da soja a partir de 1990. Hoje, abocanha 60% de todo o volume da oleaginosa produzido no mundo – um terço da produção paranaense vai para lá. O montante absorvido pelo país na temporada 2011/12 se equipara à safra brasileira: cerca de 70 milhões de toneladas.
Os especialistas vêm se questionando sobre até quando essa tendência, motivada pelo aumento no consumo de proteínas, vai durar. Os grãos devem continuar valorizados por um bom tempo, avalia o especialista e pesquisador da Embrapa Soja, Amélio Dall’Agnol. “Não consigo ver um fim para o ciclo da soja, do milho e, consequentemente, do trigo. Temos uma demanda cada vez maior por alimentos – algumas vezes superior à produção. Além disso, as pessoas estão vivendo e ganhando mais. E quando o poder de compra aumenta, a demanda por carnes, principalmente a de frango e de porco, também cresce”, analisa.
Nos últimos dez anos, o consumo mundial superou a oferta por quatro safras – 2003/04, 2007/08, 2008/09 e 2011/12 –, conforme dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês). Na safra atual, a seca que atingiu em cheio a América do Sul – continente que hoje supera a produção norte-americana de soja – é responsável por um déficit de quase 10 milhões de toneladas, apontado como saldo da temporada. O consumo deve chegar a 254 milhões de toneladas e a produção a 245 milhões.
O professor Rogério Ivano, do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), acredita que ainda é cedo para saber se o ciclo dos grãos será tão longo no Paraná quanto o da erva-mate, que durou cem anos. Segundo ele, as novas pesquisas tendem a fazer com que a soja se adapte facilmente aos mais distintos tipos de solo, o que pode dissipar a produção do grão. “Por outro lado, o movimento global por grãos só aumenta. É algo para se ver”, pondera.
Ele lembra que o ciclo dos grãos se distingue dos ciclos anteriores por não mobilizar tanta mão de obra. O ciclo do café, por exemplo, provocou ondas migratórias, a construção de uma malha ferroviária e o desenvolvimento da Região Norte do estado, até então praticamente inexplorada. “Não houve tantas modificações na estrutura social com a soja”, diz.
Perigo
O diretor de Agricultura da Sociedade Rural do Paraná (SRP), Almir Montecelli, compartilha do entusiasmo pelo “negócio espetacular” em que a soja se transformou, mas vê com cautela o avanço crescente do grão sobre áreas de pastagens ou outros produtos agrícolas. Montecelli afirma que é preciso evitar que a soja se transforme em monocultura no Paraná e no país, colocando o Brasil numa posição perigosa em caso de crise externa. Cerca de 70% da soja brasileira são direcionados à exportação.
As questões ambientais se refletem na lavoura. “Em nome da sustentabilidade, temos de produzir mais e em áreas menores. O problema ambiental restringe a expansão em área”, diz o pesquisador Amélio Dall’Agnol. Em sua avaliação, ainda é possível elevar a produtividade com novas tecnologias.
A rentabilidade do produtor, no Brasil, está condicionada ao câmbio, nem sempre favorável, aponta o agrônomo e agropecuarista Eloy Spagnolo, de Londrina. Por outro lado, a seca que limita a colheita atual não diminui o potencial da cultura, considera.
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